Por qual viela? Entenda a logística de entrega nas favelas brasileiras

Segundo dados de 2022 da Agência Brasil, o número de favelas dobrou nos últimos 20 anos, somando mais de 13 mil em todo o país. A renda movimentada pelos moradores também aumentou e passou dos R$ 200 bilhões, sendo R$ 12 bi a mais que 2021. Com isso, é claro, o número de compras e entregas nessas comunidades também disparou. 

Entretanto, a dificuldade que as empresas de transporte tinham em realizar a entrega, muito por conta da falta de endereço cadastrado em base de dados ou pelo risco de roubo, eram barreira que desagradavam aos moradores. De 2000 pra frente, algumas startups surgiram para mudar a realidade do transporte de encomendas nas comunidades. 

Entregadores variam entre realizar entregas com algum veículo ou a pé mesmo.

Um exemplo é a  “Carteiro Amigo Express”, empresa criada em 2000 e que opera no Rio de Janeiro atendendo 7 comunidades e 30 bairros adjacentes. As entregas last mile são feitas via tuk tuk, de moto ou a pé. Em São Paulo existe a Favela Xpress Brasil, que opera de forma semelhante, atendendo sete comunidades no país, sendo 2 fora do estado. 

Segundo Givanildo Pereira, CEO da Favela Xpress, em períodos normais são feitas cerca de 4 mil entregas por dia em São Paulo. Somando às outras cidades atendidas pela empresa, o número passa de 7 mil. Em especial na Black Friday de 2023 foram realizadas mais de 15 mil entregas diárias.

A operação

A Favela Xpress Brasil opera a last mile dentro de comunidades desde 2020. Assim que  morador finaliza a compra os marketplaces identificam o localidade e enviam a mercadoria para o micro centro de distribuição. Esses CDs ficam nas entradas das comunidades para facilitar a operação. “Cada lugar tem um operação diferente. Normalmente nós entramos em contato com a liderança comunitária e fazemos uma proposta para a abertura do CD. Então, entendemos o cenário e vamos negociando até definir o modelo correto para cada caso. Pode ser franquia ou base própria”, explica Givanildo. 

A Favela Brasil Xpress está em sete favelas brasileiras e já entregou mais de 1,5 milhão de produtos, o que representa uma carga de R$ 1 bilhão.

A entrega ocorre de duas maneiras. Ou por ponto de referência (forma mais comum de se localizar dentre das favelas), ou por plus code. Essa última é uma tecnologia do Google que cria uma espécie de CEP especial para a sua localização via GPS no Google Maps. Paraisópolis foi a primeira favela da América Latina que validou o modelo e hoje já conta com 15 mil residências mapeadas. 

Depois do morador fazer a primeira compra, seu endereço começa a constar no banco de dados da empresa. Assim, o processo de entrega do próximo produto adquirido será bem mais tranquilo e efetivo. A entrega, então, é feita no mesmo dia após recebimento no CD.

Além de atender o mercado B2B, a Carteiro Amigo Express vende um plano mensal pra o morador receber as encomendas. “Não é só uma caixa postal. Ao assinar um plano, o cliente pode personalizar suas entregas com horários, por exemplo.” completa Pedrinho Jr., fundador da empresa. Atualmente são duas opções: o Plano Amigo, por R$ 22 ao mês e o Plano Express, por R$ 33, sendo que neste último o cliente tem direito ao dobro de encomendas.

Segurança baseada na confiança

Um dos entraves para a chegada de encomendas via correios nas favelas é o fator segurança. A atuação dessas startups, combinadas com um bom relacionamento com os moradores e a atuação de embaixadores locais, ajudaram a diminuir drasticamente a sinistralidade nas entregas.

Thiago Monsores, CPO do Carteiro Amigo Express, explica que o relacionamento próximo que é cultivado com as comunidades, gerando empregos, é percebido como um elo positivo. 

“Nosso time é totalmente uniformizado e temos índices zero de roubos. Acreditamos que a construção de parcerias locais é essencial, e o respeito mútuo entre nossa equipe e os moradores é fundamental para manter a integridade e segurança das entregas. Em mais de 24 anos de atuação, não enfrentamos casos de roubo. Eventualmente, alguns extravios ocorrem durante o traslado mas, quando isso acontece, nossos clientes são prontamente ressarcidos financeiramente.”

Contratações feitas “em casa”

A entrega é feita no mesmo dia após chegar no CD

Muito desse elo é criado a partir da geração de oportunidades na favela que a operação traz. No Carteiro Amigo, por exemplo, as contratações ocorrem por meio de seleções periódicas realizadas internamente. Candidatos interessados, especialmente aqueles com vivência nas comunidades, são incentivados a se inscreverem no site oficial onde podem participar do processo seletivo.

Vale citar também a Escola de Formação de Motoristas, um programa que treina e capacita moradores de áreas restritas e comunidades interessados em se desenvolver, mesmo sem carteira de motorista. Essa iniciativa é realizada em parceria com a Vai Fácil, uma colaboração que visa facilitar a obtenção da primeira habilitação, oferecendo condições especiais, com redução de 50% para novos motoristas. O regime de trabalho pode variar, sendo CLT ou MEI, de acordo com a rota e cliente.

Além da encomenda

Essas empresas entregam muito mais do que o pacote em sí. Para um morador de favela, receber uma encomenda na sua casa, através do seu endereço, é sinônimo de dignidade. Ele começa a se sentir pertencente à sociedade outra vez. E ter visibilidade social ao contar com um endereço, além de ter acesso à comunidade financeira pela internet.

Meses atrás a Carteiro Amigo Express montou uma operação especial só para agilizar a entrega de cartões de crédito dentro das comunidades. Além de ter um peso social, isso também fomenta sua própria operação, já que é através do cartão que a maioria das pessoas realizam compras na internet. “Após a chegada do CAE nas comunidades, o cenário mudou de forma significativa, com elevação a 82% dos cartões entregues com sucesso, representando um aumento de 60% nas entregas bem-sucedidas”.

Moradora celebra sua placa de identificação através do Plus Code do Google

“Além do pacote, entregamos dignidade. Quebramos os muros invisíveis que a sociedade nos impõe” – Givanildo Pereira.

A Favela Brasil Xpress tem programas de capacitação para contratar pessoas da comunidade. O último dos cases foi uma parceria com a Americanas que abrangeu mais de 1 mil moradores.

É necessário fazer um trabalho antes, para que os moradores comprem e gerem demanda.  Isso acaba provocando mais consumo. O cliente se sente pertencente à um grupo ou local. O morador vê que tem os mesmos direitos, ele começa a utilizar isso e ter outras oportunidades”, comenta Givanildo.

O futuro da entrega em favelas

Thiago Monsores, CPO do Carteiro Amigo Express, comenta os próximos passos da empresa, com vistas ao aumento de faturamento no ano. “Atualmente, temos 1.500 usuários pagantes e fazemos 100 mil entregas por ano. Nossa meta para 2024 é chegar a mais de 2.600 clientes, 400 mil pedidos e faturar R$ 1,6 milhão”. Também está na pauta criar 100 empregos locais em comunidades até o ano que vem.

Givanildo aponta avanços na operação como foco: começar a trabalhar com pesados, como geladeira e fogões; começar a entregar via drones. O que faz todo sentido, já que em muitas vielas o acesso é difícil mesmo com moto ou tuk tuk. “Já estamos conversando com a Speedbird há algum tempo sobre a implantação”.
Não deve demorar para vermos drones dentro da operação de entrega nas favelas brasileiras
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