Nos últimos anos, o hidrogênio emergiu como um dos pilares da transição energética global. Com potencial para descarbonizar setores como transporte e indústria, esse elemento tem despertado o interesse de governos e empresas em todo o mundo. No Brasil, o debate sobre seu papel na matriz energética ganhou força, especialmente após a aprovação do marco regulatório que estabelece diretrizes para a produção e uso do hidrogênio de baixo carbono.
Este artigo explora as perspectivas para o desenvolvimento da indústria do hidrogênio no país, analisando desafios tecnológicos, oportunidades econômicas e políticas públicas necessárias para consolidar o Brasil como um player global nesse mercado.
O Brasil possui vantagens competitivas significativas para se tornar um produtor relevante de hidrogênio verde, especialmente devido à sua matriz energética majoritariamente renovável. Com mais de 80% da eletricidade gerada a partir de fontes limpas, como hidrelétricas, eólica e solar, o país tem condições de produzir hidrogênio com baixa pegada de carbono a custos competitivos.
Além disso, a infraestrutura industrial existente e a expertise em biocombustíveis, como o etanol, abrem caminho para a produção de hidrogênio a partir de biomassa, uma alternativa complementar à eletrólise.
Uma pesquisa recente com mais de 130 especialistas do setor apontou que 95% dos entrevistados consideram essencial o financiamento público para pesquisa e desenvolvimento (P&D) no setor. A infraestrutura de distribuição também foi apontada como um possível gargalo, com 87% dos respondentes destacando a necessidade de investimentos em logística e armazenamento.
Enquanto a Europa e a Ásia avançam rapidamente na implantação de projetos em larga escala, o Brasil ainda precisa superar desafios como a falta de políticas de incentivo claras e a necessidade de capacitação técnica.
O transporte rodoviário de carga e o setor de ônibus urbanos são apontados como os principais beneficiários da tecnologia de células a combustível. Empresas já estão desenvolvendo veículos movidos a hidrogênio, com destaque para ônibus urbanos, por meio de projetos-piloto demonstram que veículos movidos a hidrogênio podem oferecer maior autonomia e tempo de abastecimento reduzido em comparação com baterias elétricas. No caso dos caminhões, a tecnologia é vista como uma solução viável para rotas de longa distância, onde a eletrificação convencional enfrenta limitações.
Além da mobilidade, o hidrogênio tem aplicações estratégicas em setores de difícil descarbonização, como siderurgia, onde a substituição do carvão mineral na produção de aço é vista como necessária; para o refino de petróleo com aplicação nos processos industriais para reduzir emissões; assim como na geração de energia estacionária via sistemas de backup para energias intermitentes, como solar e eólica.
A produção de hidrogênio verde ainda é mais cara do que o hidrogênio derivado de combustíveis fósseis. A redução de custos depende de avanços tecnológicos em eletrolisadores e do aumento da escala de produção.
A falta de uma rede de abastecimento é um obstáculo significativo. Diferentemente dos combustíveis convencionais, o hidrogênio exige soluções específicas para transporte e armazenamento, incluindo compressão e liquefação.
Componentes metálicos em contato com hidrogênio podem sofrer fragilização, reduzindo sua vida útil. Pesquisas estão em andamento para desenvolver ligas mais resistentes e revestimentos avançados.
Interesse público em primeiro lugar
Para que o Brasil se consolide como um produtor global de hidrogênio, é necessário superar as contradições inerentes ao atual modelo de desenvolvimento, que subordina a produção energética a interesses econômicos ao invés de sociais. O fomento de pesquisas acadêmicas é essencial e deve atender aos interesses nacionais de soberania energética. Os chamados “incentivos fiscais”, como os do programa Reintegra, são, na realidade, mecanismos de transferência de riqueza pública para a iniciativa privada, mascarados como estímulo à produção nacional, enquanto perpetuam, por exemplo, a dependência tecnológica e a submissão do conhecimento de interesse público aos imperativos do mercado. Portanto, a formação de engenheiros e técnicos, embora necessária, não pode ser reduzida a uma mera capacitação para servir aos interesses do capital, mas deve estar vinculada a um projeto de soberania energética popular, que atenderá às reais necessidades dos brasileiros.
Por fim, a atuação da Petrobras, uma empresa estatal historicamente esquartejada entre sua função social e os interesses do capital internacional, só terá um papel verdadeiramente transformador se romper com a lógica do “capitalismo verde”, que busca apenas novas formas de acumulação sob a fachada da sustentabilidade. A verdadeira transição energética exige a socialização dos meios de produção, o controle popular sobre os recursos estratégicos e a rejeição aos falsos remendos do neoliberalismo, que apenas aprofundam as desigualdades e a dominação imperialista.
Dessa forma, o Brasil tem uma janela de oportunidade nos próximos seis anos para se posicionar como um líder no mercado de hidrogênio verde. No entanto, isso exigirá ações coordenadas entre governo, indústria e academia.
Enquanto nações como China, Alemanha e Estados Unidos já avançam com investimentos massivos, o Brasil precisa acelerar sua estratégia para não perder espaço nessa nova economia. A combinação de recursos naturais, expertise industrial e potencial de inovação coloca o país em uma posição privilegiada, mas apenas com planejamento e execução eficientes esse potencial será concretizado.
O hidrogênio não é apenas uma alternativa energética, mas uma oportunidade para reindustrialização, geração de empregos qualificados e liderança em uma das indústrias do futuro. Portanto, ou o país acompanha esse movimento como protagonista ou seguirá apenas importando as migalhas do Norte Global.