Um evento do porte de um IAA Transportation sempre gera a expectativa de grandes lançamentos em caminhões, ônibus e periféricos modernos e que melhorem a eficiência do transporte comercial de cargas e de passageiros. Por vezes, os protótipos que vislumbram o futuro da mobilidade também ocupam posição de amplo destaque entre as principais notícias da feira.
De fato, vimos muitas novidades e inovações relevantes na maior feira do setor em todo o mundo, mas a manchete mais importante não estava nos estandes e nem nas ruas daquele imenso complexo de exposições. De forma muito clara e objetiva, a indústria de veículos comerciais chamou o poder público europeu “na chincha” com a seguinte mensagem: “nós fizemos a nossa parte e agora vocês precisam fazer a de vocês”. Eu explico melhor no decorrer deste texto.
A União Europeia planejou e impôs metas concisas para combater o aquecimento global e reduzir ao máximo a emissão de poluentes. Entre os compromissos firmados, coube à indústria automotiva investir no desenvolvimento de veículos mais eficientes, portanto com melhor aerodinâmica e com propulsores movidos a energia elétrica ou combustíveis não poluentes.
Portanto, o ponto em comum das diversas montadoras lá presentes foi em afirmar que os produtos estão aí. As indústrias se mobilizaram e investiram pesado em pesquisa e desenvolvimento, transformaram suas fábricas e agora estão comercializando veículos e serviços que tornam a mobilidade urbana e rodoviária mais eficientes. Com a lição de casa feita, elevam o tom e cobram do poder público: “onde está a infraestrutura que permitirá a operação dos novos caminhões, ônibus, comerciais leves, etc?”
São dezenas de bilhões de euros que foram e seguem sendo investidos no desenvolvimento da eletromobilidade e outras formas eficientes de geração limpa de energia aos motores, mas sem uma ampla infraestrutura que garanta a segurança das operações de transporte, todo este esforço se torna inútil, pois há baixa atratividade aos consumidores destes novos produtos.
Obviamente, tal discurso precisa ser compreendido com a devida atenção. Pois, em diferentes momentos escutamos as seguintes afirmações: “nós não somos o problema. Mas, somos parte da solução.” Ora, se a indústria automotiva não é parte do problema relacionado às mudanças climáticas, então quem seria? Eu que escrevo? Você que está lendo? Quem? É muita cara de pau querer “socializar” as responsabilidades dos problemas gerados por suas operações, enquanto lucros e importantes acontecimentos são devidamente individualizados.
Em passos mais lentos, o Brasil enfrenta circunstâncias parecidas. A indústria nacional está investindo fortemente no desenvolvimento de produtos e tecnologias voltadas para a eletromobilidade. Outras possibilidades também estão em pauta no país, como a utilização de hidrogênio para células de combustível, motores a combustão e até como aditivos. O etanol segue em estudos para células de combustível, bem como para motores híbridos, conforme apresentado recentemente pela Marcopolo, por exemplo. Há muita pesquisa e desenvolvimento voltados para proporcionar uma mobilidade livre de emissões de CO2.
Falta, assim como na Europa, a disponibilidade de infraestrutura de recarga ou de reabastecimento para essa nova geração de veículos. Com acesso limitado, as operações também ficam restritas a determinados circuitos privilegiados, mas que restringem o TCO (custo total de propriedade, na sigla em inglês) e mantém as novas tecnologias distantes dos frotistas que não possuem vínculos com metas públicas de sustentabilidade.
Então, o que era uma discussão sobre necessidades para o futuro da mobilidade, torna-se um embate público. Afinal, algumas mudanças não acontecem naturalmente ou se ocorrem leva um certo tempo. Iniciativas importantes, como a descarbonização do transporte, precisam ser discutidas com todos os agentes relevantes da mobilidade. Mas, sobretudo, precisam ser conduzidas por um cronograma bem planejado e estabelecido que preveja o equilíbrio entre oferta e demanda em consonância com as necessidades sociais e ambientais. Afinal, política só importa se for de interesse público.
Mais pontos relevantes foram levantados pelas montadoras durante o IAA Transportation 2024. Além da disponibilidade de infraestrutura, as marcas também cobram outras políticas de fomento à eletromobilidade, como incentivos fiscais para fabricantes e consumidores, entre outras medidas que compensem os investimentos feitos até o momento. De toda forma, a indústria reduz o tom ufanista dos veículos elétricos como solução universal para todas as mazelas do transporte e volta a reforçar a importância da diversidade energética, inclusive por meio da contínua evolução dos motores diesel. Não é o que eles querem, pois manter várias tecnologias em desenvolvimento simultâneo é extremamente dispendioso, mas é importante atuar com segurança até que qualquer que seja a tendência se confirme em realidade.