Frete farmacêutico deve aumentar com novas regras da Anvisa

Em fase de adequação à RDC 430/2020 da Anvisa, as empresas que realizam transporte de produtos farmacêuticos fizeram investimentos milionários que refletirão no valor do frete dos produtos

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O preço do frete farmacêutico e correlatos deve aumentar com os investimentos em monitoramento de temperatura. As empresas de transporte especializadas para o tipo de produto, já se preparam para atender à Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 430/2020 da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A medida determina as práticas de distribuição, armazenagem e transporte de medicamentos e correlatos. Os transportadores estimam um aumento entre 30% a 50% no valor do frete com toda a tecnologia embarcada exigida.

“Se houver altos investimentos, haverá um repasse para o frete e cabe à indústria pagar por isso. As chances de aumento no preço para o consumidor são altas”, analisa Gylson Ribeiro, vice-presidente para assuntos farmacêuticos da NTC&Logística e diretor da especialidade de transportes de produtos farmacêuticos do Setcesp.

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Gylson Ribeiro, vice-presidente para assuntos farmacêuticos da NTC&Logística e diretor da especialidade de transportes de produtos farmacêuticos do Setcesp

Para as empresas e entidades de transporte, a entrada da regra para todo o portfólio de medicamentos e correlatos precisa ser economicamente viável. Gylson afirma que as entidades do setor têm trabalhado para que todos possam cumprir a norma sem que isso gere grandes impactos na especialidade.

Investimentos

Algumas empresas já iniciaram os investimentos para atender à RDC. A Braspress, por exemplo, investiu cerca de R$ 150 milhões em capex quando a medida começou a ser discutida. Já na Prestex o investimento foi de R$ 1,8 milhão desde 2020, enquanto a Andreani logística destinou R$ 10,5 milhões nos últimos dois anos.

Esses custos compreendem veículos com baús isotérmicos, equipamentos de refrigeração, softwares de monitoramento de temperatura, treinamento de pessoas, pallet box, estruturas de armazenagem refrigeradas, entre outros.

Valor do frete

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Urubatan Helou, diretor-presidente da Braspress

Segundo Urubatan Helou, diretor-presidente da Braspress, o reflexo desses investimentos no frete da empresa está entre 45% e 50%. Já de acordo com a farmacêutica e gerente comercial da Andreani Logística, Leila Almeida, comparando o transporte refrigerado com um veículo carga seca, o valor pode ser até 30% maior.

Leila explica que alguns tipos de produtos já exigiam transporte refrigerado e monitorado, para esses, nada mudará em relação à nova legislação. Por outro lado, outros produtos que não contavam com toda a tecnologia embarcada para o transporte, podem ter alteração no preço final.

Política (des)necessária?

Entre os questionamentos está se a política é realmente necessária para todos os produtos da cadeia de produtos regulamentados. As opiniões divergem entre os transportadores que tendem à conformidade e indignação.

Urubatan Helou destaca a medida como desnecessária. “É desnecessária na medida em que nunca tivemos nenhuma contaminação e nenhuma deterioração de nenhum fármaco decorrente de transporte”. Ele destaca os altos investimentos e afirma que “essa conta” será paga pelo consumidor.

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Marcelo Zeferino, Chief Commercial Officer (CCO) da Prestex

Por outro lado, Marcelo Zeferino, CCO da Prestex, aceita a medida com plena confiança no órgão competente pela legislação. Ele acredita que se a norma existe é porque ela é necessária e não deve ser contestada. “Se esses produtos estão regulamentados por um órgão competente, como é a Anvisa, quem precisa atestar isso é o órgão”.

No “meio do caminho”, Leila Almeida comenta que é a favor do controle de temperatura “desde que se saiba quando, efetivamente, o produto precisa do controle durante o transporte”.

Mercado internacional

Leila conta que participou de diversos comitês de farmácia e os profissionais sentiam necessidade do amparo de uma legislação específica para transporte e distribuição dos produtos. A farmacêutica considerou, inclusive, que a RDC 430 dificilmente seria aprovada levando em consideração a dificuldade da variação de temperatura do território brasileiro.

“Subimos o nível de qualidade na fabricação, logística e transporte, por conta do PIC/S (Pharmaceutical Inspection Co-operation Scheme), aquele acordo órgãos de regulamentação de outros países para que os produtos brasileiros fossem melhor aceitos lá fora, na parte de exportação. A norma veio para atender um movimento de mercado internacional”.

Monitoramento de rotas

Gylson explica que a Anvisa não deixa claro a metodologia que deve ser aplicada para o monitoramento de rotas, então cada um faz à sua maneira. “É um negócio muito subjetivo (o monitoramento), não exato, cada um vai fazendo a sua análise. O que pretendemos é ter um modelo onde se possa cientificamente e tecnicamente, comprovar que uma região necessita e outra não”.

A gerente de qualidade e farmacêutica da Andreani Logística, Cristiane Ribeiro, considera a aplicação da medida um grande desafio. “Estamos falando de todas as regiões do Brasil, temos uma variação térmica muito grande”.

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Cristiane Ribeiro, gerente de qualidade e farmacêutica da Andreani Logística

O plano de entidades como a NTC&Logística é disponibilizar online um monitoramento único de todas as rotas brasileiras. Para Gylson, não há necessidade que cada empresa faça o monitoramento da temperatura das regiões, como pensado inicialmente. Se uma empresa já fez o monitoramento de determinada rota, não há necessidade que uma outra faça o mesmo trabalho.

“Esse projeto já está em andamento, capitaneado pelas entidades de transporte. Com esse projeto sendo trabalhado e efetivado, iremos à Anvisa tentar passar para que realmente fique um único mapeamento que seja válido tanto para o órgão como para todas as empresas”, comenta Gylson.

Médias e pequenas empresas

Um outro questionamento importante para o setor é como ficará a adequação das pequenas e médias empresas, levando em consideração os altos investimentos que estão sendo levantados por grandes empresas.

Urubatan acredita que pode resultar em desemprego e lembra, ainda, que o monitoramento de temperatura exigido é realizado, inclusive, por softwares com alto custo de desenvolvimento. “Muitas empresas vão parar de transportar medicamentos e essas empresas, quando pararem de transportar medicamentos, terão mão de obra ociosa. Eles não vão ficar fiscalizando essa mão de obra ociosa, farão dispensa”.

Na mesma direção, Leila aponta um grande problema para o pequeno transportador e conta que quando a RDC 430 foi publicada, associações do setor realizaram um pleito por compreenderem a medida como inexequível. Ela explica que o primeiro ponto de atenção foi o caso do transporte fracionado.

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Leila Almeida, farmacêutica e gerente comercial da Andreani Logística

“Quando temos 3 a 4 redespachos, o produto passará por 3 ou 4 transportes diferentes. Quando vimos que isso poderia ser um problema para os pequenos da ponta, do last mile, questionamos se seria realmente necessário que todos os medicamentos necessitassem da medida. Quem vai dizer se precisa é o dono do produto (indústria)”.

RDC 430/653

Em março deste ano encerrou o período do monitoramento de rotas com excursão de temperatura (abaixo de 15ºC e acima de 30ºC) determinado pela RDC 653/2022, que amplia o prazo de execução da RDC 430. Agora, os transportadores entram na fase de adequação da medida que entrará em vigor em março do ano que vem.

A não adequação coloca as empresas sob as penalidades da  Lei nº 6.437, de 20 de agosto de 1977, que configura infrações à legislação sanitária federal. A empresa fora dos parâmetros determinados pela RDC estará passível de multa ou cancelamento do registro de licença para transporte do produto.

A esperança das entidades de transporte é que o monitoramento de rotas seja levado em consideração e a comunicação entre indústria e empresa de transporte seja efetiva. Desse modo, será monitorado e refrigerado apenas aqueles medicamentos que realmente necessitam de tal cuidado e rotas que realmente ultrapassam os limites de temperaturas determinados para cada produto.

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