Indiferença ou ignorância?
“Um mundo diferente não pode ser construído por pessoas indiferentes”. Usei esta frase, atribuída ao líder religioso americano Peter Marshall, para abrir o capítulo 7 do meu livro Cultura de Segurança no Trânsito – Casos Brasileiros, publicado em 2013. Gosto muito dela pois pode ser utilizada em inúmeras circunstâncias.
Repito-a seguidamente quando falo de trânsito para me referir à apatia da sociedade brasileira com relação ao lento progresso da segurança no trânsito neste país. Faz mais de 30 anos que insistimos na absoluta necessidade de reação vigorosa aos nossos péssimos números de sinistralidade, mas ela reluta e segue no seu passo de tartaruga. “Menos mal”, diria você que, por sua vez, talvez não entenda a minha impaciência com as estatísticas inaceitáveis, “pelo menos, estamos seguindo”. Mas a que ritmo e a que preço?
Você não precisa ter vivido no exterior, nem visitar países mais desenvolvidos, para se revoltar diante do número de sinistros no trânsito brasileiro que matam mais de 30 mil pessoas por ano e fazem centenas de milhares de sequelados que perdem sua capacidade produtiva para o resto da vida. É quase impossível não se espantar com a atitude de conformismo por parte de tanta gente que já perdeu entes queridos – parentes ou não – e não esboça reação que reflita seu estado de espírito.
Participo de inúmeros grupos de discussão de trânsito na Internet há mais de dois anos e até hoje não vi qualquer debate discutindo a situação dramática do trânsito brasileiro. Me recuso a aceitar aquela história de que “todo mundo está no passo errado e só eu no passo certo”, mesmo porque conheço gente que concorda comigo, que não aceita esta situação e que gostaria de reverter este quadro. Contudo, é um grupo pequeno demais diante do tamanho do problema.
Se você entrar no Google e pesquisar por entidades voltadas às vítimas de acidentes de trânsito, não vai encontrar muita coisa e, nas que encontrar, verá que, em geral, não se posicionam contra a violência. Nas exceções, reconhecemos, claro, a luta de alguns, como o Fernando Diniz, do Transito Amigo, no Rio, ou do Instituto Paz no Trânsito, da Deputada Federal Christiane Yared, em Curitiba e, claro, a ONG Vida Urgente, de Porto Alegre, presidida pela respeitada Diza Gonzaga. Faltam, contudo, mais instituições, com mais estrutura, com capacidade para mobilizar a sociedade do seu estado, da sua região e que consigam chegar ao país como um todo.
Vejo que, no geral, falta desconforto e sobra indiferença na atitude de boa parte dos brasileiros quando o assunto é segurança no trânsito. Sinto que este aparente desinteresse tem muito a ver com o nível (modesto) de educação básica do nosso povo mas aí já entramos numa outra seara, de difícil solução, notadamente a curto prazo. De qualquer modo, me chama a atenção, como boa parte da elite brasileira se comporta(!) em relação aos números do trânsito.
É sabido que segurança no trânsito não é uma prioridade para nosso governantes mas surpreende que a maioria das lideranças empresariais, sociais ou mesmo religiosas não se insurjam contra este cenário e nem levantem o debate em busca de soluções. Soluções que, na verdade, são amplamente conhecidas pois inúmeros países têm mostrado o caminho e se encontram muito mais perto do resultado almejado.
Resta, então, concluir que o problema da indiferença possa estar na ignorância, não no sentido agressivo da palavra mas pelo desconhecimento dos números decepcionantes do país, não se incomodar com eles, e aí, sim não sair em busca de soluções. Uma vez ouvi no nordeste brasileiro um senhorzinho dizer que é impossível mudar o mundo se dentro de nós morar algo chamado indiferença. Entendo sua colocação.
Certamente este é um grande desafio da chamada vida moderna: despertar interesse dos indiferentes, atraí-los para temas que envolvam eles mesmos e envolvê-los num movimento de toda a sociedade no encalço do objetivo do trânsito humano e compartilhado. Sonho difícil, mas longe de ser impossível pois outras nações já chegaram ou se aproximam deste ponto.
Quando digo isto, não volto meu olhar apenas para o lado do Governo Federal e de suas agências que dirigem o trânsito e que têm responsabilidades pelos números, mas ponho foco também nos governos estaduais e principalmente nos municipais que é onde o jogo do trânsito se desenrola. Prefeitos podem fazer muito neste sentido, se forem devidamente alertados e bem assessorados pelas lideranças locais.
Organizar uma mobilização no nível municipal é muitíssimo mais fácil do que mexer com o país todo. Reunir líderes locais, incentivá-los a comandar movimentos locais em favor do trânsito não é nenhum bicho de 7 cabeças. Ao final, dividir o bom resultado deste esforço com todos os participantes – lideranças e liderados – é um prazer que não tem preço.
Às vezes me dizem que devo ser mais paciente e dar um tempo para que as coisas aconteçam pois o tempo cura tudo. Aí me lembro de um professor alemão que me desafiou com uma outra tese, bem mais provocativa: “Não acredito que o tempo cure as coisas. O que cura são as atitudes. O tempo só faz passar”. Precisamos (re)agir!
Pedro Corrêa ([email protected]) é consultor em programas de segurança no trânsito.