A mobilidade urbana nas capitais brasileiras da Região Centro-Oeste, como Brasília (DF), Campo Grande (MS), Cuiabá (MT) e Goiânia (GO), não é apenas uma questão de infraestrutura, mas um reflexo das contradições do poder público que atua nesses locais, que prioriza o transporte individual em detrimento do coletivo e reproduz desigualdades de classe, raça e gênero. Os dados, levantados pela MobiliDADOS, revelam uma taxa de motorização elevada (entre 679,87 e 827,78 veículos por mil habitantes), fruto de um modelo de urbanização que beneficia a indústria automobilística e segrega territorialmente os mais pobres. Enquanto as classes dominantes se deslocam com relativa facilidade, os trabalhadores, especialmente negros e periféricos, enfrentam longos tempos de deslocamento (até uma hora ou mais).
A acessibilidade precária, com menos de 25% das calçadas possuindo rampas para cadeirantes e a distribuição desigual de ciclovias e transporte público comprovam que a infraestrutura urbana não serve às necessidades sociais. Os dados mostram que populações de alta renda têm até quatro vezes mais acesso a ciclovias e estações de transporte do que os trabalhadores de baixa renda, enquanto mulheres negras são as mais excluídas, com cobertura abaixo de 9% em algumas cidades. Essa segregação não é acidental, mas um produto de um ideal que prioriza investimentos em vias para automóveis (beneficiando setores como o do petróleo e das montadoras) em vez de um transporte público universal e gratuito, que poderia democratizar o direito à cidade.
Os impactos socioambientais, como emissões de CO₂ e material particulado, e a violência no trânsito, que mata majoritariamente pessoas negras e pobres, são consequências diretas dessa lógica excludente. As taxas de mortalidade elevadas (chegando a 29,63 mortes/100 mil hab. em Goiânia) e as internações massivas de motociclistas revelam o quão a mobilidade urbana pode ser excludente.
Brasília (DF)
Brasília apresenta uma taxa de motorização de 692,74 veículos para cada mil habitantes, refletindo uma forte dependência do transporte individual. A infraestrutura urbana ainda apresenta desafios: 77,64% dos domicílios têm calçadas no entorno, mas apenas 16,37% possuem rampas para cadeirantes, indicando limitações na acessibilidade.
O tempo médio de deslocamento casa-trabalho é de 39 minutos, enquanto 16,48% da população gasta mais de uma hora nesse trajeto. A proximidade com transporte público também é desigual, considerando que apenas 14,57% dos moradores vivem perto de estações de média/alta capacidade, com disparidades por renda, sendo que 16,17% da população com renda acima de três salários mínimos têm acesso, contra 6,31% dos que ganham até meio salário. Mulheres negras são especialmente afetadas, com apenas 8,68% de cobertura.
Na mobilidade ativa, 31,69% da população está próxima a ciclovias, mas a distribuição é desigual: 41,54% dos mais ricos têm acesso, contra 22% dos mais pobres. Mulheres negras representam 25,86% desse grupo.
As emissões ambientais preocupam: cada habitante emite 907,09 kg de CO₂ por ano, além de 147,7 gramas de material particulado e 2.435,09 gramas de NOx devido ao uso de combustíveis.
A violência no trânsito é outro problema grave, já que a taxa de mortalidade é de 9,92 mortes por 100 mil habitantes, sendo pedestres (3,17) e motociclistas (3,13) os mais vulneráveis. 68,73% das vítimas fatais são negras. As internações por acidentes chegam a 128,47 por 100 mil hab., com motociclistas (65,53) liderando os casos.
Campo Grande (MS)
Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul, apresenta uma taxa de motorização de 684,41 veículos para cada mil habitantes, refletindo uma significativa presença de automóveis na cidade. Quanto à infraestrutura urbana, 67,23% dos domicílios possuem calçadas em seu entorno, enquanto apenas 24,74% têm rampas para cadeirantes, indicando desafios na acessibilidade.
O tempo médio de deslocamento casa-trabalho é de 29,90 minutos, e 8,76% da população gasta mais de uma hora nesse trajeto. A cidade também enfrenta questões ambientais, com emissões per capita de 2.086,11 kg de CO₂, 437,37 gramas de material particulado e 10.166,81 gramas de NOx devido ao uso de combustíveis.
A infraestrutura cicloviária atende 13% da população, com variações por faixa de renda: 11,85% (até ½ salário mínimo), 12,98% (½ a 1 salário), 14,68% (1 a 3 salários) e 17,83% (acima de 3 salários). Entre mulheres negras, o acesso é de 13,17%. No entanto, nenhuma parcela da população reside próxima a estações de transporte de média ou alta capacidade, independentemente de renda ou perfil demográfico.
A segurança viária é um ponto crítico: a taxa de mortalidade no trânsito é de 21,94 mortes por 100 mil habitantes, sendo motociclistas as principais vítimas (11,24/100 mil), seguidos por ocupantes de automóveis (4,15), pedestres (2,95) e ciclistas (1,75). Pessoas negras representam 61,69% das mortes. As internações por sinistros chegam a 408,16/100 mil habitantes, com destaque para motociclistas (276,63), ciclistas (34,97), pedestres (20,60) e ocupantes de automóveis (15,03).
Cuiabá (MT)
Cuiabá, capital de Mato Grosso, apresenta indicadores relevantes sobre mobilidade, infraestrutura urbana e impactos ambientais. A taxa de motorização na cidade é de 679,87 veículos para cada mil habitantes, refletindo uma frota significativa em circulação. Quanto à acessibilidade, 63,36% dos domicílios têm calçadas no entorno, mas apenas 4,28% possuem rampas para cadeirantes, indicando desafios na inclusão de pessoas com mobilidade reduzida.
O tempo médio de deslocamento entre casa e trabalho é de 31,20 minutos, enquanto 8,26% da população gasta mais de uma hora nesse trajeto. A infraestrutura cicloviária ainda é limitada, com apenas 14,73% da população residindo próximo a vias adequadas para bicicletas. Esse acesso é desigual: 5,25% para quem ganha até meio salário mínimo, 5,34% para renda entre meio e um salário, 5,53% para quem recebe de um a três salários, e 8,10% para rendas acima de três salários mínimos**. Entre mulheres negras, o percentual é de 5,39%.
Em relação ao transporte público, nenhuma parcela da população reside próxima a estações de média ou alta capacidade, independentemente de renda ou perfil demográfico, evidenciando uma carência nesse tipo de infraestrutura.
As emissões de poluentes são preocupantes: cada habitante emite 1.175,57 kg de CO₂, 293,25 gramas de material particulado e 6.507,89 gramas de NOx por ano devido ao uso de combustíveis.
A segurança no trânsito também demanda atenção. A taxa de mortalidade em acidentes é de 21,01 óbitos por 100 mil habitantes, sendo os motociclistas os mais vulneráveis (11,39 mortes/100 mil), seguidos por ocupantes de automóveis (2,89/100 mil), pedestres (2,24/100 mil) e ciclistas (0,48/100 mil). 73,28% das vítimas fatais são pessoas negras, destacando desigualdades raciais nesses eventos.
As internações por sinistros de trânsito atingem 121,83 casos por 100 mil habitantes, com maior incidência entre motociclistas (91,41/100 mil), enquanto pedestres (6,30/100 mil), ciclistas (3,07/100 mil) e ocupantes de carros (3,99/100 mil) apresentam números menores.
Os dados revelam desafios em acessibilidade, transporte sustentável e segurança viária em Cuiabá, com disparidades socioeconômicas e raciais no acesso à infraestrutura e nos impactos dos acidentes. A ampliação de ciclovias, transporte público de qualidade e políticas de redução de emissões são caminhos para melhorar a mobilidade urbana na capital mato-grossense.
Goiânia (GO)
Goiânia apresenta uma taxa de motorização de 827,78 veículos para cada mil habitantes, refletindo uma forte dependência do transporte individual. A infraestrutura urbana conta com calçadas em 88,64% dos entornos de domicílios, mas apenas 10,19% possuem rampas para cadeirantes, indicando desafios na acessibilidade.
O tempo médio de deslocamento casa-trabalho é de 30,5 minutos, enquanto 9,28% da população gasta mais de uma hora nesse trajeto. A cidade também enfrenta questões ambientais, com emissões per capita de 814,41 kg de CO₂, 174,26 gramas de material particulado e 3.168,48 gramas de NOx devido ao uso de combustíveis.
A infraestrutura cicloviária atende apenas 11,85% da população, com disparidades socioeconômicas: enquanto 17,77% da população com renda acima de três salários mínimos têm acesso, apenas 3,75% dos que ganham até meio salário mínimo estão próximos a ciclovias. Mulheres negras são ainda mais desfavorecidas, com apenas 4,67% de cobertura.
Quanto ao transporte público, 17,73% da população vive perto de estações de média/alta capacidade, mas nenhum grupo de baixa renda (até 3 salários mínimos) ou mulheres negras têm acesso a essa infraestrutura, revelando uma grave exclusão. Apenas 13% das estações estão integradas à malha cicloviária.
Os sinistros de trânsito são um problema crítico: a taxa de mortalidade é de 29,63 mortes por 100 mil habitantes, sendo motociclistas os mais vulneráveis (9,64/100 mil). Pedestres e ciclistas correspondem a 4,95 e 1,54 mortes/100 mil, respectivamente. 74,84% das vítimas fatais são pessoas negras, evidenciando desigualdades raciais. As internações por acidentes chegam a 873,34/100 mil hab., com pedestres liderando (710,81/100 mil).
Em resumo, Goiânia combina alta motorização, deficiências em mobilidade ativa e transporte público, além de impactos ambientais e sociais desproporcionais, exigindo políticas urgentes para inclusão e segurança viária.
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