Transportadoras brasileiras de cargas internacionais estão com U$ 200 milhões em fretes retidos na Argentina, segundo estimativa da Associação Brasileira de Transportadores Internacionais (ABTI). O valor representa, aproximadamente, R$ 1 bilhão e está pendente para pagamento desde abril, período em que a norma do Banco Central da República Argentina emitiu a norma exigindo que as cobranças de fretes internacionais sejam realizadas após 90 dias da prestação do serviço.
Para Francisco Cardoso, presidente da ABTI, o setor, que estava em crescimento no primeiro trimestre de 2023, passou a despertar incertezas nos transportadores, no segundo trimestre. O imbróglio teve início com a implementação do Sistema de Importações da República Argentina e Pagamentos por Serviços no Exterior (SIRASE). A ferramenta é destinada a analisar o cumprimento tributário e a capacidade econômico-financeira dos contribuintes que efetuam pagamentos ao exterior por serviços contratados, concedendo licenças.
A nova licença, segundo o executivo, exigiu algumas semanas até que os transportadores brasileiros conseguissem entender o seu funcionamento e, aproximadamente, um mês para o envio de informações à Administração Federal de Receitas Públicas (AFIP na sigla em espanhol), a Receita Federal Argentina, para o cálculo da capacidade financeira das empresas. Portanto, desde abril, nenhuma licença foi autorizada.
Atualmente, a Argentina passa pela terceira grande crise econômica dos últimos 40 anos. A inflação no país chegou a 104% ao ano, com a moeda local desvalorizada e o alto valor em dívidas externas. O cenário é fruto de uma série de fatos históricos impulsionados pela deterioração da cadeia de produção e a própria pandemia.
Canal de comunicação
Além dos fretes pendentes, outra grande questão para os transportadores é a dificuldade de diálogo com o governo argentino. A própria ABTI tem encontrado barreiras para iniciar conversações sobre a situação com o governo brasileiro. A intenção é que a conversa aconteça de governo para governo para que o país vizinho entenda as incertezas da nova medida para as empresas do segmento.
“Estamos na expectativa de que o governo brasileiro nos ajude a criar um canal de interlocução com o governo argentino. Já enviamos ofícios à presidência da República, à Casa Civil, ao Ministério de Desenvolvimento de Indústria e Comércio, Ministério da Fazenda, Ministério das Relações Exteriores e não conseguimos construir um canal que nos ajude a dialogar com a Argentina. Precisamos que o governo brasileiro entenda o momento que estamos passando e possa levar esse tema para o Mercosul, mas em uma conversa de governo para governo”, comenta Cardoso.
Transporte e indústria
A situação não está restrita aos transportadores, pois as indústrias possuem prazo ainda maior para o recebimento dos valores dos produtos exportados. De acordo com o presidente da ABTI, se para o transportador o prazo é de 90 dias (3 meses), no caso da indústria pode chegar a 180 dias (6 meses).
Cardoso explica que o risco para o transporte não está relacionado somente ao frete, mas também com a insegurança de que essa medida gere uma redução nos volumes exportados. Essa é uma das consequências que pode ocorrer com o não pagamento dos pedidos pendentes e futuros.
“Eles (Argentina) são muito dependentes de exportações e nós também dependemos desse mercado. Então seria muito importante que eles encontrassem uma solução via FMI (Fundo Monetário Internacional), e o Brasil pudesse financiar as exportações daqui para a Argentina e instrumentalizar um seguro de crédito para isso”.
Reconhecimento como exportador de serviços
Além dos esforços atuais voltados para a questão dos fretes, a ABTI também mantém em pauta o desejo de reconhecimento como exportador de serviços. “Transportamos cargas de exportação, atendemos toda uma legislação, passando por receita federal e outros órgãos intervenientes, e não temos o reconhecimento da atividade como exportadores de serviços”, explica Cardoso.
Segundo o executivo, na reforma tributária a exportação é isenta, logo, o entendimento é que o serviço de transporte também deveria ser isento. A preocupação é que essa reivindicação não fique clara dentro da nova proposta, então a associação busca que isso seja redigido de forma a não deixar margem para futuras dúvidas a respeito do benefício da atividade.
Futuro nebuloso
O futuro da atividade para os próximos meses, sobretudo o segundo semestre do ano, é nebuloso. Cardoso ressalta que não existem projeções precisas com a atual configuração construída com base em diversas incertezas de decisões que podem ser reformuladas nos próximos meses.
“Pedimos ajuda ao nosso governo, questionamos o governo argentino e não temos ideia do que vai acontecer. Estamos aqui mais na expectativa e na torcida para que a Argentina consiga renegociar a sua dívida, ter novos fundos e que possa liberar esse recurso para podermos seguir trabalhando, porque estamos no limite”.
A entidade já orientou todos os associados a renegociarem os seus contratos para que o pagamento seja realizado no Brasil e não mais no exterior. E com esse cenário, o presidente da entidade lembra que em outubro haverá eleição presidencial no país vizinho, o que também certamente influenciará muitas decisões futuras.
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