Dá licença que a Flixbus quer expandir no Brasil sem limites

Ao mesmo tempo em que luta para que saia o marco regulatório do setor, a startup do setor rodoviário cria associação em prol de uma concorrência mais justa

 

Com um modelo de negócios disruptivo, a FlixBus, empresa de tecnologia em transporte rodoviário, vem causando frisson no mercado brasileiro rodoviário de passageiros. Desde 2021, a empresa, consolidada na Europa pela sua forma de atuação, que visa ampliar a oferta de linhas de viagens disponíveis para passageiros por meio de parceiros, está promovendo uma revolução no setor pela sua ousadia de atuação com promoções com descontos até 5 vezes mais baratos que os praticados no mercado, fazendo comer poeira a concorrência, composta por tradicionais companhias de ônibus. Em um mercado caracterizado pela alta concentração, a entrada da FlixBus promete ser um marco na medida em que aumenta o leque de ofertas para o passageiro, mudando a direção de um setor que parece imune a qualquer tipo de transformação.

A executiva Andrea Mustafa, diretora de Relações Governamentais da FlixBus, parece estar segura do modelo de atuação com relação aos concorrentes, que já recorreram a liminares na tentativa de atingir parceiros do transporte de passageiros da empresa de tecnologia. “As empresas que já disputam o mercado colocam impedimentos e barreiras para novas companhias. Trata-se de um movimento natural que presenciamos em outros países também. A diferença é que aqui, como operamos no transporte regular, o nosso questionamento não é de modelo. Queremos ter o direito de operar no transporte regular, de que essas licenças para as operações sejam ampliadas”, afirma a executiva, acrescentando que a FlixBus faz parceria com empresas de ônibus, entrando com toda a parte tecnológica, planejamento estratégico, marketing, vendas e atendimentos ao cliente. “Não somos apenas um aplicativo. A gestão de uma rota de uma ligação entre cidades e estados é muito mais do que uma plataforma. Trata-se de uma gestão compartilhada”, explica.

A briga deve ser boa, pois, no Brasil, empresas que tinham o monopólio nesse mercado seguiam o antigo modelo de concessão fazem pressão contra novatos. No capítulo mais recente dessa história, a Flixbus se juntou a outras empresas que aderiram à causa para criar a criação da AFMOB (Associação Brasileira para o Futuro da Mobilidade), entidade com uma extensa pauta, que entre outras reivindicações, está o tópico melhorias regulatórias.   Nessa entrevista à Frota&Cia, Andrea Mustafa faz uma análise do mercado interestadual de passageiros e conta como a FlixBus pretende conquistar o território nacional.

Frota&Cia – A Flixbus entrou no Brasil recentemente e está enfrentando desafios em relação à concorrência, que até mesmo já recorreu a liminares suspendendo autorizações de operações de linhas de alguns parceiros. Como você encara esses imbróglios durante a sua gestão?

Andrea Mustafa – As empresas que já disputam o mercado colocam impedimentos e barreiras para coibir as novas companhias que almejam entrar. É um movimento natural que a gente viu em outros países também. A diferença é que aqui como operamos no transporte regular, o nosso questionamento não é de modelo. Queremos ter o direito de operar no transporte regular, de que essas licenças para operações sejam ampliadas. A FlixBus faz parceria com empresas de ônibus, entrando com toda a parte tecnológica, planejamento estratégico, marketing, vendas e atendimentos ao cliente. Não somos apenas um aplicativo. A gestão de uma rota de uma ligação de cidades a estados é muito mais do que uma plataforma. Trata-se de uma gestão compartilhada.

Frota&Cia – Como está a receita da empresa no mercado brasileiro?

Andrea Mustafa – 2022 foi um ano extremamente importante para a FlixBus. A nossa operação global obteve mais de 1,5 bilhão de euros na lucratividade. E aumento de 113% no número de passageiros transportados, o equivalente a 60 milhões de usuários. Hoje estamos em 40 países e a trajetória da FlixBus visa expandir para outros mercados e de forma sustentável. No Brasil começamos a atuar em dezembro de 2021 e saltamos de uma parceria para sete parceiros. Atualmente, prestamos serviços para linhas em 50 cidades, de sete estados, junto com as parceiras: Grupo Adamantina, Satélite Norte, Santa Maria, Primar Turismo, Levare, 4Bus e, recentemente, a AutoViação Gadotti.

Frota&Cia – O que tem a dizer em relação aos serviços inaugurados pela FlixBus no Brasil?

 Andrea Mustafa – Buscamos parceiros que possuam as autorizações para operar de forma regular, e nós entramos com a nossa expertise, com o intuito de aperfeiçoar, melhorar e trazer valor para a operação desse parceiro. Nosso trabalho é sempre fruto de muito planejamento. Por exemplo, ter como parceiro uma linha operada pelo Grupo Adamantina, na rota São Paulo – Rio de Janeiro.

Frota&Cia – O que chamou a atenção no mercado brasileiro?

Andrea Mustafa – Vários pontos chamaram a atenção. Em primeiro lugar, a FlixBus, quando surgiu na Alemanha, foi crescendo em mercados com regime de autorização. Porque a gente entra com modelo de sustentabilidade com preços acessíveis, e buscando tecnologia verde. E nós queremos fazer mais gente viajar. Isso foi crescendo na Alemanha, nos países nórdicos. Depois, entramos na França, com abertura de mercado, na Itália e, mais recentemente, em Portugal. A Espanha, inclusive, está discutindo essa abertura neste momento. No Brasil, a partir de 2019 começou a valer o regime de autorização. Então, a primeira coisa que a FlixBus percebeu é que é um mercado que vai ter características semelhantes em relação a todos aqueles que conseguiram desenvolver nossos serviços e trazer uma proposta de valor para parceiros e usuários. Esse foi o principal chamariz. É obvio que, de 2019 para cá, além dos problemas causados pela Covid-19, o processo de definição regulatório está muito lento. Há percalços que impedem a implementação do nosso modelo aqui. Não há definição das regras de uma forma final por parte da agência de transportes sobre, por exemplo, quais são os critérios para obter autorização para operar. Como atuamos no transporte regular, cumprimos 100% das regras da ANTT, mas não operamos. Prestamos serviços para as empresas que operam. Quando pudermos ter a nossa licença operacional, poderemos dizer que nós operamos. Queremos ter o direito de operar no transporte regular, de que essas licenças para as operações sejam ampliadas. Aí vamos crescer mais, aumentar os nossos serviços. O Brasil tem 5 mil municípios e existe uma demanda muito grande.

Frota&Cia – Hoje como está essa discussão regulatória?

Andrea Mustafa – Houve uma decisão do STF confirmando que é um regime de autorização. O TCU também, no começo do ano, revogou a cautelar que impedia novas autorizações. A partir daí, esperamos que a ANTT solte o que ela chama de novo marco regulatório com todos os critérios. O fato é que as empresas que já disputam o mercado, colocam impedimentos e barreiras para a entrada de novas empresas. Esse é um movimento natural que a gente viu em outros países também. A diferença é que aqui, como operamos no transporte regular o nosso questionamento não é de modelo. Queremos ter o direito de operar no transporte regular, ser responsável perante à ANTT por aquela operação. Voltando à discussão regulatória, quando parece que essa decisão está próxima, por parte da ANTT, acontece um retrocesso, e voltamos alguns passos. Por exemplo, em 2021 estava previsto para sair, em outubro, a nova decisão. Na ocasião da data, a minuta foi para votação, mas a diretoria da associação devolve o processo para um estágio anterior e decide dar preferência para as empresas de passageiros convencionais que já operam e fecham o mercado. Ou seja, ninguém mais consegue licenças. Aí o processo começa de novo. O ano de 2022 foi dedicado inteiramente às discussões sobre mudanças para o setor, encontros setoriais com a sociedade civil. Tem uma gama de interesses enorme. As pessoas com deficiência precisam participar dessas discussões, assim como as pessoas vulneráveis, as pessoas com direito à gratuidade, entre outros grupos. Houve uma espera em 2022 para sair a decisão. O cronograma apresentado mais recente indicava o prazo de outubro de 2023. Por que estou falando no passado? Porque há vários marcos não cumpridos. Mais do que somente atrasos de processo, essa lentidão impede uma verdadeira democratização do setor.

Frota&Cia – O que se pode esperar quando acontece uma maior abertura do setor?

Andrea Mustafa – Na Europa, em todos os países em que houve abertura, notou-se aumento de passageiros e maior concorrência de preços. No Brasil, o problema maior não é para a operação da FlixBus, mas sim, o impedimento de que o passageiro tenha a oportunidade de escolha. Hoje, no Brasil, mais de 70% das linhas são operadas por um único operador em diversas localidades. Outras pessoas poderiam aderir ao transporte se houvesse opção, e o preço reduziria. Porque essa concorrência vai gerar a busca por passageiros com melhores serviços e melhores preços.

Frota&Cia – Como a FlixBus está se preparando para esse embate em relação às licenças para ampliar as suas operações no Brasil?

 Andrea Mustafa – Uma das iniciativas que tomamos recentemente junto com outras empresas foi a criação da AFMOB (Associação Brasileira para o Futuro da Mobilidade). A entidade vai discutir tópicos importantes, como mudanças regulatórias, sustentabilidade tecnologia, entre outros. Vai também entender quais as melhorias regulatórias podem ser feitas, deixando o mercado com uma competição justa. Esses tópicos vão ser trazidos sempre visando a democratização do transporte. Precisamos trabalhar para a abertura do mercado brasileiro.

 

Compartilhe nas redes sociais

DEIXE UMA RESPOSTA

Por favor, entre com seu comentário
Por favor, entre com seu Nome aqui!