Em um movimento que redefiniu seu papel no mercado, a Eletra, após mais de duas décadas convertendo ônibus a diesel em elétricos, passou a produzir seus próprios veículos. Por isso, a empresa aproveitou a realização da Arena ANTP para mostrar esse novo posicionamento estratégico e, também, os novos chassis da marca. Os lançamentos incluem versões desde miniônibus com 11,5 metros de comprimento, além de básicos (12m), padrons (12m a 13m) até os superarticulados (20m a 23m).
Todos os chassis são de piso baixo, com autonomia entre 250 km a 350 km, dependendo das condições de operação. As plataformas são fornecidas pela Mercedes-Benz, enquanto os sistemas elétricos e de controle foram desenvolvidos pela Eletra, em parceria com a WEG.
“Concentramos todo o sistema de tração e auxiliar em um único compartimento traseiro”, explica Paulino Hiratsuka, diretor do departamento técnico da Eletra. Isso inclui um motor de imã permanente fabricado pela WEG, que reduz o peso pela metade na comparação com os similares de indução. Além de um inversor da mesma marca que gerencia a integração de todos os sistemas (tração, auxiliar e carregamento de baterias. “As baterias, também da WEG, têm 156,4 kWh por conjunto, com até três conjuntos instalados no teto no veículo final”, acrescenta Hiratsuka.
Já nos chassis articulados, a tecnologia adotada é o motor tandem, composto por dois motores acoplados no mesmo eixo, que operam de forma independente para maximizar torque e eficiência em rampas de até 18%. “Isso é inédito no mundo para um veículo de 23 metros”, afirma o diretor.
Em paralelo aos lançamentos, a empresa apresentou seu serviço de consultoria EletraConsult, criado com o propósito de apoiar empresas e gestores públicos em todas as etapas da eletrificação das frotas. Para tanto, a iniciativa pretende oferecer estudos de viabilidade técnica e operacional, aliado ao planejamento de infraestrutura e recarga, treinamento de equipes e suporte pós-implantação.
Liderança perdida
Na visão de Iêda Oliveira, diretora-executiva da Eletra, o Brasil cometeu um “erro estratégico” ao demorar para ingressar na eletrificação de transporte, resultando na perda da liderança em exportações de ônibus elétricos, mesmo mantendo a dianteira na versão diesel. “Temos a terceira maior frota de ônibus urbano do mundo. Éramos líderes na exportação desses veículos e perdemos a liderança na versão elétrica”, afirma. O fato positivo, segundo a executiva, é a mudança desse cenário, graças às políticas públicas recentes, como o modelo de subvenção adotado pela cidade de São Paulo, que utiliza recursos do BNDES.
Apesar do otimismo, Iêda Oliveira aponta que a infraestrutura de recarga e as tarifas de energia elétrica para transporte ainda representam obstáculos ao avanço da eletromobilidade urbana. “As tarifas de energia para o transporte ainda são um desafio que temos hoje. Achamos que deveria haver um incentivo maior, para que a energia utilizada para transporte tivesse uma tarifa diferente”. Embora não haja escassez de energia, já que a maioria dos veículos é carregada à noite, quando a demanda cai até 60% em metrópoles como São Paulo, o planejamento da distribuição é essencial, comenta a diretora. Como solução, ela defende a criação de hubs de recarga em locais com facilidade de acesso à rede, invertendo a lógica atual de levar energia até garagens distantes.
Recarga em movimento
Isso explica porque a Eletra tem investido em tecnologias que minimizam dependências de infraestrutura, como o e-Trolley, sistema que permite recarga em movimento através de redes aéreas, similar aos trólebus, mas com baterias que armazenam energia para trechos sem fiação. “Isso resolve a questão de concentrar o abastecimento em um único endereço”, explica a especialista citando exemplos internacionais, como a rodovia na Alemanha que implementou uma rede aérea para caminhões.
Mais interessante de tudo é que a equação econômica do ônibus elétrico já é favorável, quando considerados os custos de operação e vida útil, nas contas da diretora da Eletra. “Na cidade de São Paulo e outras, o ônibus elétrico tem no mínimo 15 anos de vida útil, contra oito do diesel. Além disso, o veículo oferece uma redução mínima de 70% no custo de energia comparado com diesel”. Sem contar a manutenção do veículo, que é significativamente menor devido ao controle eletrônico integral dos sistemas, que previne falhas humanas e avarias. “O carro é todo controlado eletronicamente. Tudo que acontece está sendo monitorado, o que impede de danificar qualquer subsistema”, explica Iêda.
Mesmo assim, o alto investimento inicial ainda exige mecanismos de apoio. “O problema é o preço de aquisição do veículo. Se tiver apoio, redução no custo de energia e financiamento, melhora a equação”. Iêda acredita que o setor pode expandir rapidamente com a adoção de políticas integradas. “A projeção é de um crescimento de 150% na frota elétrica nacional até 2026, saltando dos atuais 1.240 veículos para números significativamente maiores. ” Hoje não precisamos mais do discurso de convencimento, já que os resultados falam por si. A roda que estava travada agora girou “, completa confiante.
Confiança no amanhã
Para acompanhar a demanda projetada, a Eletra já amplia sua fábrica, elevando a capacidade de produção de 1.800 para 3.000 chassis por ano. Dados da ABVE revelam que a indústria nacional tem ociosidade, hoje com uma capacidade total instalada de quase 10.000 ônibus anuais, podendo chegar a 25.000 veículos. O crescimento, segundo Iêda Oliveira, é impulsionado pela experiência positiva dos operadores. “A disponibilidade dos ônibus elétricos é muito maior que a do diesel. Os próprios clientes relatam que as reclamações caíram e os passageiros preferem o elétrico”, afirma a diretora.

